sexta-feira, 20 de maio de 2016

A Capoeira Angola e Seus Fundamentos



Um pouco de história
Também chamada de capoeira mãe, o jogo de Angola, é a origem da capoeira, é a modalidade de capoeira que mais se aproxima daquela que seria a “capoeira dos escravos”. A Capoeira Angola é muito manhosa e precisa saber jogar, para entrar numa roda. Cheia de preceitos e regras a serem seguidas, chega a parecer mais uma cerimônia ritualística do que um jogo ou uma luta. Seu toque lento e cadenciado, suas ladainhas tristes e sofridas, conseguem fazer qualquer pessoa se apaixonar por esse jogo. A capoeria Angola é a mais antiga forma de jogar capoeira que existe hoje. Graças a Mestre Pastinha, que praticamente viveu sua vida pela capoeira, ela foi preservada de tal forma que ainda hoje encontramos escolas onde se jogam como se jogava no seculo IX. E todos os mestres “angoleiros” – como são chamados – fazem questão de manter essas tradições e repassa-las aos seus alunos, para que ela não perca as suas raízes. Dentro da capoeira angola não há espaço para inovações ou mudanças porque se isso ocorresse estaria ferindo as suas características deixando de ser o jogo uma manifestação cultural que deu início à tudo o que se refere a capoeira hoje. Por tanto a capoeira angola deve ser mantida como ela é e sempre foi. Por isso de ser chamada de a capoeira Mãe.

A origem do nome
Provavelmente o nome capoeira angola (não se confuda com “capoeira angolana” que nada mais seria do que a capoeira introduzida em Angola por brasileiros) tenha surgido pelo fato de o principal porto onde atracavam os navios negreiros se localizava em Angola e para os portugueses, qualquer negro trazido ao Brasil era normalmente considerado de Angola. Isso deve ter permanecido até depois da abolição, quando os negros assim libertos mas colocados em condição desfavorável, tiveram que escolher entre trabalhar para os seus antigos donos, agora patrões, ou cair na marginalidade. E assim, ainda depois da abolição continuaram a ser tratados como “negros de Angola”. Provavelmente nesse período os ex-escravos já praticavam o que daria origem a capoeira angola com não muito, mas já com alguma liberdade, pelas ruas e campos. Coisa que aos olhos dos colonizadores seria visto como uma vadiagem ou um jogo de negros, jogo dos negros de Angola ou simplesmente jogo de Angola. Como o termo capoeira já existia desde a época dos quilombos para designar um escravo que fugia, um escravo podia muito bem ser chamado de “capoeira de Angola.”
A capoeira angola é quase ritualística, cheia de preceitos que devem ser obedecidos com muita atenção. No jogo de angola, os movimentos são lentos, mas traiçoeiros. É um jogo de muita malícia, onde se entende por malícia, a capacidade do capoeira de enganar o seu parceiro fingindo aplicar um golpe e na verdade aplicar outro onde menos se espera e no momento em que menos se espera também. Dentro da capoeira angola esses fatores são fundamentais que só com a experiência se pode conseguir.
Mestre Pastinha dizia que o bom capoeira não suja a roupa e nem perde o chapéu. Não precisa acertar efetivamente o companheiro, mas deve-se parar o pé no momento certo mostrando a este a superioridade em atingi-lo caso assim desejasse.

Bateria
A bateria de instrumentos apresentada aqui como era na academia de Mestre Pastinha.
 - Três berimbaus: gunga, médio e viola;
 - Um ou dois pandeiros;
 - Um atabaque;
 - Um reco-reco;
 - Um agogô;

Ladainha
É obrigatoriamente cantada por quem toca o berimbau gunga que geralmente é o mestre. São canções em ritmo de lamento, lembram sempre alguma história, um mestre ou algum fato importante. Serve como introdução para o início do jogo. Durante a ladainha não se bate palmas e não se toca nenhum instrumento com exceção dos berimbaus que entram pela ordem: gunga, médio e depois o viola.


Chula
Após a ladainha, o mestre canta a chula que é uma cantiga de pequenas estrofes, onde todos os instrumentos entram e o coro responde. É uma louvação a Deus ou aos mestres presentes e aos que já faleceram. É o famoso “Viva meu Deus / Iê viva meu Deus camará.” A chula é uma preparação para o “corrido.” Quando a chula atinge os versos “Da volta ao mundo camará” os dois capoeiras se cumprimentam saúdam o berimbau com um movimento chamado de “queda de rins” e começam a jogar.

Corrido
Os corridos são canções no formato pergunta e resposta onde uma pessoa canta e o coro responde.

As chamadas
Durante o jogo podem ocorrer as chamadas, movimentos que servem para testar o parceiro com quem está jogando. Quando se faz uma chamada o parceiro deve ter o máximo de cuidado, pois a chamada é uma armadilha onde se visa surpreender o parceiro. Os Mestres mais experientes fazem chamados como forma de distrair o companheiro e atingi-lo de surpresa. Há vários tipos de chamada: de frente, de costas, sapinho e outras. Se o parceiro não quiser responder a chamada ele deve ir até o pé do berimbau e chamar o seu camarada para uma nova saída.
Na capoeira angola não se compra o jogo, isto é, deve-se esperar que os dois jogadores saiam da roda para que outros dois comecem um novo jogo.

Curiosidades
Na Bahia era costume os mestres Angoleiros se encontrarem aos domingos na porta de igrejas para jogar a capoeira. Esses mestres vestiam-se de terno de linho branco e chapéu, como se fossem vestidos para algum evento importante, o que na verdade realmente o era. Era o momento em que sua cultura estava sendo praticada e perpetuada.

Mestre Pastinha
Mestre Pastinha foi o maior divulgador da capoeira angola. Praticamente viveu sua vida inteira pela capoeira. Implementou métodos de ensino, fundou a primeira academia de capoeira chamada de C.E.C.A, o Centro Esportivo de Capoeira Angola e foi convidado para ir até a África mostrar a nossa arte. Pastinha partiu deste mundo em 13 de novembro de 1981, deixando muitos discípulos entre eles, Natividade, Bola Sete, Boca Rica, Gildo Alfinete, Meio Quilo, Colmenero, João Pequeno, João Grande, Malvadeza, Curió, entre outros, que continuaram a ensinar e fizeram com que o jogo permanecesse até hoje tradicionalmente como era antigamente com todas as suas tradições e rituais e como na verdade deve ser.

Maculelê Origem e História da Dança

O Maculelê é uma manifestação cultural oriunda cidade de Santo Amaro da Purificação – Bahia, berço também da Capoeira. É uma expressão teatral que conta através da dança e de cânticos, a lenda de um jovem guerreiro, que sozinho conseguiu defender sua tribo de outra tribo rival usando apenas dois pedaços de pau, tornando-se o herói da tribo. 



Sua origem é desconhecida. Uns dizem que é africana, outros afirmam que ela tenha vindo dos índios brasileiros e há até quem diga que é uma mistura dos dois. O próprio Mestre Popó do Maculelê, considerado o pai do maculelê, deixa clara a sua opinião de que o maculelê é uma invenção dos escravos no Brasil, assim como a capoeira.

A lenda da qual teria surgido o maculelê possui também várias versões.
Em uma delas conta-se que Maculelê era um negro fugido que tinha doença de pele. Ele foi acolhido por uma tribo indígena e cuidado por eles, mas ainda assim não podia realizar todas as atividades com o grupo, por não ser um índio. Certa vez Maculelê foi deixado sozinho na aldeia, quando toda a tribo saiu para caçar. Eis que uma tribo rival aparece para dominar o local. Maculelê, usando dois bastões, lutou sozinho contra o grupo rival e, heroicamente, venceu a disputa. Desde então passou a ser considerado um herói na tribo.


Outra lenda fala do guerreiro indígena Maculelê, um índio preguiçoso e que não fazia nada certo; por esta razão, os demais homens da tribo saíam em busca de alimento e deixavam-no na tribo com as mulheres, os idosos e as crianças. Uma tribo rival ataca, aproveitando-se da ausência dos caçadores. Para defender a sua tribo, Maculelê, armado apenas com dois bastões já que os demais índios da sua tribo haviam levado todas as armas para caçar, enfrenta e mata os invasores da tribo inimiga, morrendo pelas feridas do combate. Maculelê passa a ser o herói da tribo e sua técnica reverenciada.

Conta outra lenda que a encenação do Maculelê baseia-se em um episódio épico ocorrido numa aldeia primitiva do reino de Ioruba, em que, certa vez, saíram os guerreiros juntos para caçar, permanecendo na aldeia apenas 22 homens, na maioria idosa, junto das mulheres e crianças. Disso aproveitou-se uma tribo inimiga para atacar, com maior número de guerreiros. Os 22 homens remanescentes teriam então se armado de curtos bastões de pau e enfrentado os invasores, demonstrando tanta coragem que conseguiram colocá-los em debandada. Quando retornaram os outros guerreiros, tomaram conhecimento do ocorrido e promoveram grande festa, na qual os 22 homens demonstraram a forma pela qual combateram os invasores. O episódio passou então a ser comemorado freqüentemente pelos membros da tribo, enriquecido com música característica e movimentos corporais peculiares. A dança seria assim uma homenagem à coragem daqueles bravos guerreiros.

Podemos ver que a primeira lenda indica a mistura da cultura africana com a indígena quando se diz que um “negro fugido” é acolhido por uma “tribo indígena”. Na outra já não há a menção de negro fugido ou escravo, o protagonista era o “índio preguiçoso”. Indicação da origem indígena. E por fim, na terceira versão diz que o episódio aconteceu em uma “aldeia primitiva no reino de Ioruba”. Indicação de origem africana.

Há muitas outras versões de lendas sobre o Maculelê, mas todas sustentam a versão de um guerreiro sozinho, enfrentando a invasão inimiga com apenas dois bastões.

Por muito tempo o maculelê foi apresentado nas ruas e praças da cidade, nos dias de festa da padroeira conforme Mestre Popó, explica com suas próprias palavras em uma entrevista cedida à Maria Mutti em 16/12/1968 em Santo Amaro – Bahia:

“Segundo Mestre Popó, Maculelê é luta e dança ao mesmo tempo, se um feitor aparecia na senzala à noite, pensava que era a maneira de adoração aos deuses das terras deles (dos negros escravos), as músicas não davam ao feitor entender o que eles cantavam.
A festa era realizada de 8 de dezembro (consagração de Nossa Senhora da Conceição) e 2 de fevereiro (dia de Yemanjá) em Santo Amaro da Purificação. Acontecia nas praças e nas ruas da cidade e era considerada uma festa ``profana'' realizada pelos negros escravos.
“em marcha guizada, a ``Marcha de Angola’’, que tem algo de Capoeira e de Samba, tudo isso em Movimentos sempre ao compasso das batidas das grimas (bastões).”

Mestre Popó do Maculelê
No início do século XX, com a morte dos mestres do Maculelê, a manifestação deixou de acontecer por muitos anos, até que em 1943, Paulino Aluisio de Andrade, o Mestre Popó do Maculelê, resolve reunir parentes e amigos para ensinar a dança baseado em suas antigas lembranças. Consegue então resgatar o Maculelê e forma o Conjunto de Maculelê de Santo Amaro o qual ganhou grande fama. Mestre Popó começou a aprender o Maculêle com um grupo de pretos velhos, ex-escravos Malês, livres. Segundo ele já não tinha mais escravidão nessa época e eles se reuniam à noite: João Oléa, Tia Jô e Zé do Brinquinho: "eles eram livres, mas quem botou o Maculelê fui eu mesmo" (Popó).
Segundo Plínio de Almeida (Pequena História do Maculêle) o Maculêle existe desde 1757 em Santo Amaro da Purificação e as cores branca e vermelha nos rostos, que assustavam as pessoas, poderia ser símbolos de algumas tribos Africanas, como por exemplo, os Iorubas. Mas na verdade fica muito difícil identificar exatamente à qual grupo étnico está associado à origem do Maculêle. Podemos citar, por exemplo: os Cabindas, os Gêges, os Angolas os Moçambiques, os Congos, os Minas, os Cababas.

Instrumentos
O instrumento fundamental no maculelê é o atabaque. Na época de Mestre Popó eram usados três atabaques seguindo a formação do candomblé. Outros instrumentos como o agogô e o ganzá também eram tocados durante a apresentação. Hoje vemos apresentações de maculelê, na maioria das vezes somente com o atabaque.

Indumentária e Pintura
Na época de Mestre Popó a indumentária era simples, de acordo com as condições cotidianas dos dançarinos. Geralmente usavam camisas e calças comuns aos africanos, de algodão cru e pés descalços.
Estes pintavam os rostos e as partes desnudas com tintas feitas com restos de fuligem de carvão ou de fundo de panelas. Exageravam na tintura vermelha que usavam na boca que era feita com sementes de urucum. Algumas pessoas do grupo empoavam suas cabeleiras com farinha de trigo, usavam touca nas cabeças ou lenço no pescoço. 

Cânticos
Muitos dos cânticos do maculelê, provém dos candomblés de caboclo, alguns das canções de escravos e outros até fazem menções à cultura indígena. Os cânticos acompanham o desenrolar da apresentação do maculelê. Cada parte da encenação do maculelê tem a sua cantiga certa que acompanha. São muitos os cânticos do maculelê e cada grupo tem os seus prediletos. Eis alguns deles cantados antigamente na época de Mestre Popó:

Cântico para saudação:
Ô boa noite pra quem é de boa noite/Ô bom dia pra quem é de bom dia/A benção meu papai a benção/Maculêle é o rei da valentia.

Homenagem à Princesa Isabel: (alguns homenageiam Zumbi dos Palmares):
Vamos todos louva/A nossa nação brasileira/Viva a dona Isabel (ou Zumbi dos Palmares) /Ai meu Deus/Que nos livrou do cativeiro

Peditório: (ocorre nas saídas às ruas):
Deus que lhe dê, ê/Deus que lhe dá, á/Lhe dê dinheiro/Como areia no mar.

Louvação aos pretos de Cabindas ou Louvor a Nossa senhora da Conceição:
Nós somos pretos da Cabinda de Aruanda/A Conceição viemos louvar/Aranda ê, ê, ê/Aranda ê, ê, á.

Fulô da Jurema, de influência indígena:
Você bebeu Jurema/Você se embriagou/Com a fulô do mesmo pau/Vosmicê se levanto.

Saudação de chegança:
Ô sinhô dono da casa/Nós viemos aqui lhe vê/Viemos lhe pergunta/Como passa vosmicê
Saudação de despedida:
Quando eu for embora ê/Todo mundo chora ê. 

Em cena
Durante a apresentação do maculelê, os componentes, que representam a tribo rival, formam um círculo em volta de uma pessoa, que representa o herói. Todos sustentando um par de bastões nas mãos. O desenrolar da história é contado através dos cânticos que são respondidos em côro. Além do côro os componentes batem os bastões (grimas) no ritmo do atabaque que é tocado pelo mestre do maculelê.

O Maculelê hoje
Hoje o maculelê se mantém preservado graças à sua incorporação por grupos de capoeira, que incluíram a dança nas suas apresentações em batizados e festas populares. Os componentes se apresentam vestidos de saia de sisal, sem camisa e com pinturas pelo corpo. Há também alguns grupos que preferem se apresentar com seus abadás usuais, o que deixa evidente a sua descaracterização, o que deve ser evitado para que não percamos mais uma manifestação cultural através do esquecimento de suas raízes.

O maculelê faz parte do folclore brasileiro e deve ser preservado como patrimônio cultural, assim como a capoeira. Deve ser mantido e respeitado como tradição. Seja ela trazida por nossos irmãos africanos ou criada pelos nativos indígenas, a beleza do maculelê traz em si os traços da miscigenação cultural de um país onde a cultura é a mais rica do mundo, apesar de não receber o reconhecimento que merece.